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Arara considerada extinta volta à caatinga ao lado de onças e outras espécies ameaçadas

Redescoberta’ há 40 anos, arara-azul-de-lear está em perigo de extinção. Iniciativas de preservação buscam aumentar a população na natureza.

Arara-azul-de-lear é foco de ações de preservação. — Foto: Marcelo Brandt/G1




O grito da arara ecoa pelo sertão da Bahia nas primeiras horas do dia. O chamado vem de uma das 1.700 araras-azuis-de-lear que vivem na região do Raso da Catarina, na caatinga, o bioma mais biodiverso do planeta. Elas só existem nesta parte do mundo. Monogâmicas, voam em duplas ou em trio, quando o filhote ainda não se desprendeu dos pais. No amanhecer, elas saem em busca do licuri, um coquinho que cresce aos cachos em palmeiras da região. Chegam a percorrer até 60 km ao dia atrás de alimento. Ao entardecer, retornam à morada.


A aparente normalidade da cena esconde um problema: a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) está em perigo de extinção. Outros 182 animais da caatinga também estão ameaçados, como a onça-pintada e a parda, que quase desapareceram do semiárido nos últimos anos.


No caso das araras, os esforços para recuperar a população passam pela manutenção dos espaços nos quais elas vivem, pela educação ambiental e pela luta contra o tráfico de animais.


Para conhecer um pouco mais sobre estas ações, o G1 percorreu 1,6 mil km no sertão da Bahia e visitou as regiões do Raso da Catarina e do Boqueirão da Onça para conhecer os desafios da preservação da espécie.

Da ‘redescoberta’ à preservação

A arara-azul-de-lear é o único psitacídeo (família de aves que inclui os periquitos, araras e papagaios) alvo da Aliança Brasileira para Extinção Zero (Baze). Ela também está na lista vermelha da BirdLife International, uma das principais referências em preservação de aves.
A outra arara foco de preservação é a ararinha-azul, da espécie Cyanopsitta spixii, criticamente ameaçada e já extinta na natureza. Foi esta espécie que inspirou o personagem Blu do filme Rio, lançado em 2011 com direção do brasileiro Carlos Saldanha. Em todo o mundo, estima-se que existam apenas 160 destas aves, todas em cativeiro (confira as diferenças e semelhanças entre as espécies no quadro ao fim da matéria).
Para que a arara-azul-de-lear não tenha o mesmo destino da ararinha-azul, diversos projetos estão sendo desenvolvidos para estimular o crescimento da população, que vive e se alimenta na região de Canudos, Serra Branca, Euclides da Cunha, Jeremoabo, Santa Brígida e Baixa do Chico (veja quadro abaixo). Eles são focados em preservação da área e do licuri, principal alimento desta ave.
No Boqueirão da Onça, a quase 400 km dali (ou 250 km, em linha reta), uma iniciativa inédita na região busca repovoar a área onde antes havia cerca de 30 araras-de-lear, mas agora tem apenas duas. Especula-se que as demais tenham sido levadas por traficantes nos anos 1990. Um projeto monitora a soltura de seis novos indivíduos naquele espaço para incentivar a reprodução da espécie.
Locais de ocorrência da arara-de-lear na caatinga — Foto: Igor Estrella/G1

Uma das ações de preservação do espaço das araras está em Canudos, a cidade conhecida pela guerra que terminou em 1897 com 25 mil mortos. A poucos quilômetros do centro da cidade fica a Toca Velha, um vale formado por paredões de arenito que ganhou este nome porque é onde as araras fazem suas tocas, dentro de buracos.
Mantido pela Fundação Biodiversitas, o espaço tem entrada controlada de visitantes, o que garante tranquilidade para a reprodução da espécie e inibe a ação de traficantes de aves, diz Tania Maria Alves da Silva, bióloga e gerente da Estação Biológica de Canudos.
Foi lá que uma expedição coordenada pelo ornitólogo alemão Helmut Sick "redescobriu" a arara-azul-de-lear na virada de 1978 para 1979.
Até então, sua existência só era conhecida por meio de uma ilustração de 1832 feita pelo artista inglês Edward Lear (daí o nome da arara) e pela descrição de 1856 feita por Charles Lucien Bonaparte (sobrinho de Napoleão Bonaparte) a partir de exemplares taxidermizados do Museu de Paris e do Zoológico da Bélgica. Como ninguém sabia a procedência da arara, pensava-se que ela estava extinta.
Helmut Sick, naturalizado brasileiro, soube de relatos de que poderia haver este tipo de arara no sertão baiano e foi atrás do bicho.
“Em 5 de janeiro chegamos à "Toca Velha", num dos desfiladeiros (ou "talhados", no linguajar regional) usado como dormitórios e criadouros pelas araras. Atravessando o rio Vaza-Barris penetramos em outro desfiladeiro (no limite sul do Raso da Catarina) atingindo a "Serra Branca" onde, em 16 de janeiro, coletamos um exemplar de A. leari (o primeiro obtido em natureza por um ornitólogo), assegurando assim a necessária prova da descoberta”" - Helmut Sick, em artigo publicado na Revista Brasileira de Zoologia da USP, em 1987.
Casal de arara-de-lear sobrevoa a área da Toca Velha, em Canudos. Local é mantido pela Fundação Biodiversitas. — Foto: Marcelo Brandt/G1Casal de arara-de-lear sobrevoa a área da Toca Velha, em Canudos. Local é mantido pela Fundação Biodiversitas. — Foto: Marcelo Brandt/G1O que a história oficial não conta é que quem ajudou Sick a localizar as araras foi Eliseu Alves, pai de Eurivaldo Macedo Alves, guarda-parques da Fundação Biodiversitas, instituição que atualmente mantém a Toca Velha.
“Meu pai foi garimpeiro, então conhecia muito as araras que tinha [na região]. Ele disse [para Helmut Sick]: ‘Arara tem. Você dorme aqui e amanhã cedinho elas aparecem’. Quando foi de manhã, já apareceram seis. Aí foi onde gerou todo o começo de conservação”, conta.
“Quando iniciou-se o trabalho, eram contadas 60 araras. Hoje a gente já consegue contar 1.700. [Antes] Vinham muitos apanhadores de araras a mando dos traficantes. Bastou que a gente controlasse a entrada humana e, automaticamente, o número de araras aumentou”, diz Tania Maria Alves da Silva, bióloga e gerente da Estação Biológica de Canudos, onde fica a Toca Velha.
Cânion seco da Baixa do Chico, local que tem atraído araras-de-lear desde 2014. — Foto: Marcelo Brandt / G1Cânion seco da Baixa do Chico, local que tem atraído araras-de-lear desde 2014. — Foto: Marcelo Brandt / G1Expansão para novas áreas
Com o crescimento da população, as araras-de-lear estão se espalhando para outras áreas. Uma delas é o cânion seco da Baixa do Chico, que fica dentro da reserva indígena da tribo dos Pankarares. O cânion também é formado por paredões de arenito.
O local chegou a ser cenário da minissérie Amores Roubados, de 2014. É lá que o personagem de Cauã Reymond (Leandro Dantas) foge de uma emboscada armada pelo personagem de Murilo Benício (Jaime Favais) com um tiro na barriga. (Veja a cena)
De acordo com a bióloga Erica Pacífico, coordenadora geral do grupo de pesquisa e conservação da arara-azul-de-lear, a presença destas aves nesta região era constante até 1980. Depois, não apareceram mais. “[Sumiram] porque foram perseguidas, caçadas, capturadas e perturbadas nos dormitórios”, explica.
Araras-de-lear no cânion seco da Baixa do Chico. Local já foi habitado pelas araras, que sumiram na década de 1980; em 2014, elas começaram a voltar ao local. — Foto: Marcelo Brandt/G1Araras-de-lear no cânion seco da Baixa do Chico. Local já foi habitado pelas araras, que sumiram na década de 1980; em 2014, elas começaram a voltar ao local. — Foto: Marcelo Brandt/G1Segundo o biólogo Thiago Filadelfo, a área era palco de competições de motocross. "Nossa equipe colocou placas manuais pedindo que não houvesse trânsito nos horários mais sensíveis para as araras e conversamos com a comunidade indígena explicando para que eles agissem como protetores", afirma.
"A recepção foi boa. Ouviram e disseram: 'Agora quem toma conta somos nós'", disse.
Com o fim das competições, cessaram os barulhos, e as araras começaram a voltar para a Baixa do Chico em 2014.
“Primeiro, foi um casal, depois dois, agora já tem na base de umas 100 araras já. Aqui, ninguém mexe muito com elas. A partir das 16h, essa parte [acesso ao cânion] é isolada e, graças a Deus, está dando certo”, diz o cacique Milton Santos Nascimento. “Acho que voltaram pra cá porque se agradaram do lugar, está bem cuidado”, avalia.
“É importante preservar para que não desapareçam porque, no futuro, meus netos e tataranetos vão ver estes animais”, diz Milton.


Por Elida Oliveira, G1

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