OAB lembra que todas as normas e prazos eleitorais aplicados às eleições 2020 já foram publicadas e estão valendo desde 4 de outubro de 2019
A crise provocada pelo novo coronavírus, causador da Covid-19, coincidiu, no Brasil, com o ano eleitoral, o que trouxe desafios inéditos não apenas ao sistema de saúde, mas também à democracia no país. Com o objetivo de contribuir com o debate sobre as implicações da pandemia ao Direito Eleitoral, ao Estado Democrático de Direito e às eleições 2020, a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) instituiu um Grupo de Trabalho para analisar a conjuntura atual e encaminhar propostas ao Tribunal Superior Eleitoral, Congresso Nacional e Poder Executivo Federal.
A relatora do Grupo de Trabalho, a acadêmica Maria Claudia Bucchianeri, membro da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB e do Instituto dos Advogados do Brasil, lembra que todas as normas e prazos eleitorais aplicados às eleições 2020 já foram publicadas e estão valendo desde 4 de outubro de 2019. Trata-se do princípio de anualidade eleitoral, previsto no artigo 16 da Constituição Federal, o qual determina que as normas eleitorais devam estar vigentes um ano antes da realização.
“A discussão, portanto, exige cautela e responsabilidade. É claro que numa situação de calamidade pode ser que alguns ajustes se façam impositivos, mas precisamos ter cuidado para não precipitar decisões, tampouco admitir oportunismos”, afirma.
Entre os especialistas da Abradep, há uma tendência em torno do argumento de que qualquer modificação no calendário eleitoral, neste momento, é precoce. Além disso, propostas que defendem a unificação das eleições para o ano de 2022 são firmemente contestadas. “Além de ser inconstitucional alterar o tempo de mandato em curso, abre um precedente muito perigoso de ‘mandato tampão’ com repercussões institucionais graves”, defende Maria Claudia Bucchianeri.
Perspectiva compartilhada por Pedro Canellas, advogado, professor de Direito Constitucional e Eleitoral, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RJ e da Abradep, a quem é fundamental aguardar dados mais concretos para adotar estratégias menos danosas à democracia.
“A proposta de unificar eleições não se mostra razoável porque implica em mitigar uma garantia constitucional, o que não é prudente. Vale lembrar que há, ao menos, 70 eleições para acontecer no mundo este ano. Por enquanto, aqui no Brasil, temos uma margem de segurança no tempo que nos resta para arrefecer os ânimos, analisar como o vírus avançará e traçar a melhor estratégia. Por ora, tudo é especulação”.
Neste momento, as datas fixadas pela Lei Eleitoral continuam válidas, reafirmadas na última sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ocorrida em 19 de março, que deliberou unanimemente pela manutenção do calendário pré-estabelecido, ratificando o prazo para filiações partidárias que terminam no dia 4 de abril, o que serve de norte para temas correlatos. Paralelo a isso, o TSE instituiu gabinete de crise com o objetivo de monitorar a evolução diária do quadro de pandemia e reavaliar permanentemente as providências.
O acadêmico Rodolfo Viana Pereira, professor, doutor em Ciências Jurídico-Políticas, advogado sócio da MADGAV Advogados e pertencente ao Grupo de Sistematização do GT proposto pela Abradep, considera prudente aguardar e lembra que, a depender de como a conjuntura se apresente, é possível alinhavar alternativas criativas para manter o calendário previsto e, ao mesmo tempo, não expor candidatos e eleitores a riscos.
“Os primeiros atos que pressupõem aglomeração de pessoas, as convenções partidárias, em princípio, podem ser viabilizadas por meio de ferramentas virtuais, por exemplo. Não há vedação para que isso ocorra”, sugere.
FEFC
Outra pauta presente no debate público atual é a possibilidade de utilização do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no auxílio às ações de combate à Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
Segundo os especialistas da Abradep, embora pareça ser uma medida, à primeira vista, simpática ao grande público, trata-se, em realidade, de uma proposta simplória para enfrentar um fenômeno complexo de grandes proporções. Além do baixo impacto orçamentário frente à demanda econômica e social, tal sugestão pode inviabilizar o pleno processo democrático nas eleições.
“O Fundo de Financiamento é uma rubrica específica destinada às campanhas para tentar diminuir a influência do poder econômico privado no processo eleitoral brasileiro. Se for desviado para outro fim e a eleição acontecer, mesmo que adiada em alguns meses, isto pode acabar favorecendo apenas os candidatos ricos que não dependem da verba para financiar a estrutura de campanha. É preciso precaução para não ceder a soluções fáceis e demagógicas”, argumenta Pedro Canellas.
O Grupo de Trabalho da Abradep terá duração de 30 dias, podendo ser prorrogado enquanto perdurar a pandemia. Contará ainda com subgrupos temáticos específicos para acompanhar a atuação da justiça eleitoral nas suas relações com eleitores, partidos políticos e demais agentes; apresentar alternativas de ferramentas tecnológicas de votação diante da pandemia; avaliar os novos caminhos do Estado Democrático de Direito perante a crise; além de recomendar sugestões de enfrentamento para mitigar o impacto deste fenômeno no calendário das eleições municipais.
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